quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Quadro na Parede

Tinha se mudado há pouco tempo para a casa do seu tio distante. Ocupava um quartinho minúsculo, nos fundos de um apartamento antigo. Assim que chegou, carregando duas malas de roupa e uma mochila de livros, o garoto já foi reclamando (mesmo que telepaticamente) da iluminação, do cheiro e da limpeza da casa, mas assim que entrou pela primeira vez em seu novo quarto, seus olhos foram ofuscados pelo brilho de um dos quadros mais bonitos que ele já vira em toda sua vida.

Pregada na parede de seu quarto, a obra de 90 por 60 centímetros retratava uma paisagem com naturalidade espantosa. Dois vales verdes se encontravam ao fundo de uma praça e em primeiro plano, uma rua deserta, com pequenas casinhas solitárias ao redor. O menino, encantado com o quadro, ficava horas observando cada detalhe esculpido por uma mão, certamente, genial. Ia para a faculdade de manhã e quando voltava pra casa, passava pelo menos quinze minutos debruçado em frente à tela.

Certo dia, depois de mais uma manhã de estudos, o garoto foi observar o quadro, como fazia sempre, e percebeu na janela de uma das casinhas da rua, a figura de uma velha horrenda, que olhava diretamente para seus olhos. Ele conhecia cada centímetro daquela obra e tinha certeza que aquela janela sempre estivera vazia. Aquilo lhe pareceu assustador demais, até mesmo para ser compartilhado com seus tios. Guardou o segredo.
No dia seguinte a velha tinha sumido, mas um caminhão enorme e enferrujado aparecera estacionado no canto esquerdo da tela. Era assombroso. O garoto já tinha percebido que aquele não era um quadro normal. Apesar da riqueza de detalhes, algumas coisas mudavam mesmo de lugar, e outras apareciam do nada.

Com o passar dos dias aquelas transformações na obra viraram rotina. Ele chegava da faculdade e corria para o quarto, na esperança de ver um novo elemento. Viu uma árvore desaparecer no vale, um casal trocar beijos apaixonados na praça, uma das casas mudar de cor, viu um sabiá pousar no fio elétrico... E na quinta-feira não viu mais nada. Seus tios finalmente tinham comprado a cortina.

22 de abril de 2009

2 comentários:

Tyler Bazz disse...

Engraçado como às vezes a gente demora uns dias pra reparar no mundo 'lá fora' quando ele é novo..

L disse...

Não sei o que comentar. É que o texto me agradou tanto que achei merecido um comentário. Esperarei outros mais.