Saíra mais cedo da festa por não considerar nenhuma daquelas pessoas merecedoras da sua presença. E essa dificuldade em encontrar as chaves? E abrir a porta sem acordar os pais? E essa vergonha de não ter resistido aos papos vazios, às músicas altas, e ter finalmente se assumido indiferente? Era até gostoso pensar que aquilo realmente não lhe atraía. Mas preocupante. Algum dia seria ele capaz de se empolgar? Por que se sentia tão importante a ponto de nada lhe pagar os olhos marejados ou o espanto? Espanto. Não sabia ao certo há quanto tempo não se espantava.
Na cabeceira, três livros jogados. Os três ainda por ler. Ele até poderia começar um deles, mas se conhecia bem a ponto de saber que em menos de duas páginas já estaria tombado, com a baba no canto da boca e o pescoço torto. Como se detestava nessas noites, quando criava desculpas pra explicar sua preguiça. E vejam bem, estava prestes a completar 26 anos.
Ainda morando com os pais, ainda adiando a leitura de livros, ainda se achando importante demais pra vida. Mas era fácil pensar, aos 18, que as coisas estavam apenas começando. Que ainda seria dono de ideias brilhantes e produziria qualquer coisa torta ou reta digna de obra de arte. Que emocionaria as pessoas. Que seria lembrado. Que diriam dele: oh, que disciplina! Oh, que perfeccionismo! Oh, que talento! Talento... Coisa que a gente finge que tem pra não morrer de desgosto.
No espelho, já não parecia adorável. Já não tinha cabelos lisos, nem dentes livres de obturações. Precisava de óculos. Mais que qualquer outra coisa... Precisava de óculos. E nem era miopia, era vista cansada. E também tinha a boca e os dedos cansados. Talvez estivesse um pouco embriagado e por isso seu reflexo parecia tão envelhecido. Mas logo apalpou o próprio braço e viu que o reflexo não fazia nada além de refletir. Estava flácido. Encontrou até umas manchas na pele. Já cheirava a guardado.
Começou a chorar, porque seria difícil demais conviver com o apodrecimento do próprio corpo. E o sentimento que lhe invadia era de arrependimento. Poderia ter aproveitado muito mais sua juventude. Aquele era o tempo de usar bermudas floridas e camisetas regatas. Aquele era o tempo de simular calor e tirar a blusa perto das garotas. Aquele era o tempo de ir à praia. Mas ele preferiu se isolar. Nas férias, preferia ler a brincar com os primos. Idiotas, amanhã eles vão estar pobres. Mas na verdade, o idiota era ele. Não adiantava adiar as coisas boas da vida, esperando um futuro de plena entrega ao prazer. Ou a pessoa nasce pra ser feliz hoje, ou não.
Agora estava claro que ele não tinha muito tempo pela frente. Que todas as pessoas de sucesso começaram cedo. E se ele, aos 26 anos, ainda não tinha nada, talvez fosse a hora certa de se dar por vencido. Antes que tudo fique ainda mais constrangedor. Antes que sua família descubra o disfarce. Que ele não é tão inteligente assim, nem tão criativo.
Mais uma vez o espelho lhe devolvia a imagem de um homem acabado. Tinha olheiras profundas. No lugar dos olhos, dois sofrimentos escuros. Passou a mão pelos cabelos e percebeu que estava ficando careca. E se imaginou perdendo preciosos minutos, organizando o cabelo de modo a disfarçar a calvície. Quando o vento batesse, seria ridículo. Não se sujeitaria.
Começou a arrancar os fios que lhe restavam com a própria mão. Em pouco tempo o chão do quarto era um mar de cabelos castanhos. Não é pra ficar careca? Pois fiquemos! Perdeu as forças. E se deixou cair, calvo, enrugado, envelhecido... O pouco de sangue que escorria do couro cabeludo agora se misturava às lágrimas.
Buscou na cozinha uma lata de cerveja e um copo grande, onde despejou todos os comprimidos pra dormir que ainda guardava na gaveta e infinitas gotas de antitérmico. Tapou o nariz pra resistir ao vômito, mas teve que mastigar alguns comprimidos, porque começou a se sentir entalado. Bebeu a cerveja por cima e esperou a dor do desconhecido.
No dia seguinte, durante o velório, comentaram:
— É uma pena. Um garoto tão jovem...
24 de dezembro de 2010
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