Chovia. Não aquelas chuvas torrenciais do fim das tardes de verão. Chovia educadamente, como um aviso antes de partir pra ignorância das enchentes. E Cláudio caminhava sem pensar nos passos ou na direção. Tinha a mente vazia, assustada, incrédula.
— Como foi lá na Manu? — perguntaram os amigos, quando ele chegou ao bar.
— É... — foi tudo o que conseguiu dizer: uma vogal aberta. E os três rapazes, que em todo fim de expediente se encontravam num boteco, não precisavam mais que isso para deduzir a resposta. Permaneceram em silêncio, em respeito à dor do amigo. — Não teve jeito. Acabou tudo. De verdade.
— Essas coisas são assim mesmo. Vocês já brigaram outras vezes e, uma semana depois, estavam juntos de novo ― falou André.
— É... Namoro longo não acaba fácil. — completou Márcio, o mais jovem do grupo.
— Mas o pior foi a forma como ela me tratou. Sabe? Sem nenhum traço de carinho... — disse ele, ignorando as frases de consolo dos amigos — Não parecia que a gente tinha passado dois anos da nossa vida juntos. Ela parecia uma estranha.
— Tenta não pensar nisso agora, vai. Toma uma cerveja... Relaxa.
Cláudio queria muito tomar a cerveja, mas preferiu evitar o clichê. Sentia pena de si mesmo, ali, sentado numa mesa de bar, com a calça molhada e os olhos vermelhos. Às cinco da tarde, quando saiu do trabalho em direção à casa de Manuela, ainda tinha uma esperança de que seu namoro pudesse ser salvo, apesar de todas as evidências provarem o contrário. Já fazia alguns meses que as coisas não iam bem. As conversas amenas tinham dado lugar a intermináveis discussões sobre o relacionamento. Os dois tinham chegado naquele estágio em que é mais importante encontrar o defeito no parceiro que a qualidade. E defeito eles tinham de sobra.
Assim que abriu a porta, toda a esperança de Cláudio evaporou. Manuela estava de blusa preta e uma calça jeans apertada o suficiente para valorizar cada um dos seus 20 anos de idade. Ela não sorriu. E não sorrir, no caso de Manuela, significava completo desinteresse. Ela sabia que esse era seu grande trunfo e vivia distribuindo sorrisos pela rua, encantando os transeuntes.
— E aí, o que aconteceu? — perguntou ele, ainda imóvel na sala.
— Você sabe o que aconteceu, Cláudio... Não me faça ter que contar tudo de novo.
— Eu só não entendo. — ele sentiu a garganta apertar e preferiu parar a frase por aí.
— Eu gosto muito de você, já te disse isso. Te acho um cara maravilhoso, inteligente, esforçado... Mas você tem seu apartamento, seu emprego e seus 26 anos de idade. Eu só tenho 20. A minha vida está só começando... Você realmente achou que eu não fosse conhecer mais ninguém? Que eu não fosse me apaixonar de novo? — ele continuava calado — Essas coisas a gente não escolhe.
— Claro que escolhe! — ele começou a aumentar o tom de voz, embargado pelo medo da solidão — Eu escolhi você! E a partir do momento que tomei essa decisão, as outras mulheres passaram a não existir pra mim.
— Ah, por favor, né? — finalmente ela sorriu, mas não da forma como ele esperava. Ela sorriu seu sorriso de deboche. E sempre que fazia isso, Cláudio se sentia o mais estúpido dos homens. — Tenta ser um pouco menos cafona nessas horas.
— Você tá sendo infantil, Manuela.
— Eu? É você que não consegue entender. A gente só está terminando porque eu não quero ser desleal, tá bom? Não acho justo.
— E acha justo fazer o que você tá fazendo comigo? — seus olhos começaram a brilhar.
— Você prefere ser corno? É isso?
Ah, a crueldade de Manuela! Quando decidia organizar as palavras com o intuito de ferir, ela era imbatível. A maioria das pessoas solta um palavrão agressivo e se dá por satisfeita. Manuela prefere destilar pequenas doses de maldade, fazendo perguntas cuja resposta quase sempre é humilhante. Sua lógica é cruel, de tanto sentido que faz.
Cláudio decidiu apelar para um último argumento.
— Eu gravei o seu nome na minha pele! — disse ele, levantando a manga da camisa e deixando à mostra sua pequena tatuagem no antebraço, onde lia-se “Manuela” em letra de forma.
— E eu nunca concordei com essa babaquice! Pedi milhões de vezes pra você não fazer essa tatuagem.
— Mas eu queria provar o meu amor por você.
— Muito bem, está provado. — ela cruzou os braços, indicando o fim da discussão ― Agora pode ir.
— Que merda, Manuela! — Cláudio virou as costas e saiu do apartamento, batendo a porta com violência. Desceu pelo elevador. Aos prantos.
Os amigos do bar tentavam agir com naturalidade, mas nenhum deles sabia realmente como lidar com a situação. Mudaram de assunto, pediram fritas, outra rodada de cerveja, e Cláudio permaneceu calado.
― Come uma batata pelo menos.
― Não gente, eu tô um pouco indisposto. Acho que vou pra casa. Na verdade eu vim mesmo só pra dar satisfação pra vocês. ― Cláudio foi levantando da cadeira.
― Quer que eu vá com você? ― se ofereceu André.
― Não precisa. Prefiro ficar sozinho... Vou tentar ler um pouco, tirar um cochilo... Obrigado. ― Trocaram olhares de qualquer coisa e Cláudio deu as costas.
A chuva já perdera muito da sua educação quando Cláudio saiu do bar. E no caminho, enquanto via suas lágrimas desaparecerem no asfalto molhado, ele mudou de ideia. Foi até um supermercado e comprou duas latas de cerveja e um saco de batatas congeladas.
Abriu a porta do apartamento e pela primeira vez não imaginou Manuela sentada no sofá. Foi até a cozinha de centímetros quadrados, abriu o saco de batatas e encheu uma panela de óleo. Acendeu o fogo, jogou um palito de fósforo e esperou. O líquido amarelado começava a borbulhar, o palito dançava... De repente o fogo. Era o sinal.
Cláudio pegou a panela, levantou a manga da camisa e despejou o óleo fervente em cima do antebraço.
Manuela nunca mais.
3 comentários:
É isso ai Cláudio! rs
Adorei!
Muito boa essa proposta do blog novo, adorei esse texto. O final foi muito marcante!
Vou ler os outros =P
Beijos
Ele deveria ter bebido uma das cervejas antes.
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