quarta-feira, 18 de novembro de 2015

As Meninas Se Divertem

"Aquela nem era a primeira vez que a gente fazia isso. Desde que a vó do Bittencourt foi pra Braga, ele não conseguia passar um fim de semana sem encher a cobertura da velha de gente. Tanto eu quanto a Taís já tínhamos ido numa dessas festinhas antes e tudo tinha dado super certo. Voltamos pra casa antes das duas, sabe? Eu mal tava bêbada..." ela falava mexendo as mãos só o suficiente pra mostrar o relógio quase masculino de tão grande.

"Quem é o Bittencourt?"

"O Paulo Bittencourt...?", ela ergueu as sobrancelhas, como se fosse óbvio.

"..."

"Era na casa dele que a gente fazia as festas."

"Dele ou da avó dele?"

"Da vó dele, dele... Não sei. Na verdade eu só ia por causa do César, porque eu tava conseguindo um retorno... Duas semanas naquela de um olhar pro outro e ele já tava me chamando pra vários eventos..."

"Quem é o César?"

"Ah, o César fazia engenharia... Na federal. Ele era baixinho, pra falar a verdade, mas só usava umas camisetas da Diesel, era cheiroso... Aquela cara de rola grossa!" e os dois começaram a rir. Ela encostou na cadeira, tirou os cabelos quilométricos e loiros da frente do rosto. "Quando um cara desses te chama pra sair, você não pergunta onde vai ser, você só dá um horário pra ele te buscar."

"E o que aconteceu de diferente na sexta pra tudo dar tão errado?"

"Então... Eu acho que foram as balas."

"Ecstasy?"

"O César passou lá em casa umas dez da noite. Eu e a Taís não estávamos completamente prontas (pra falar a verdade a gente nunca conseguia ficar realmente pronta. A base, o batom, o cabelo... é o tipo de coisa que vai vivendo no nosso rosto e sempre precisa de retoque e sempre pode ficar melhor), então eu mandei ele esperar no carro, porque Deus me livre ele subir ali e simplesmente olhar praquele apartamento!"

"Você mora sozinha? Taís é a menina?"

"Não sei se isso vem ao caso. Não é lá que a merda acontece. Mas Taís é a menina sim. Ela virou minha amiga porque tinha cara de inteligente e se vestia bem pra uma intelectual. Depois descobri que nem intelectual ela era. Só se achava artista porque tomava ansiolítico."

"Sei... Fazia o tipo descompensada."

"E não podia beber, por causa disso. Então na sexta, quando a gente saiu do elevador, o Marquinhos já tava sem camisa, completamente suado, com duas taças de champagne na mão... Ofereceu pra nós duas, muito empolgado pra quem só estava num social de cinco pessoas. Lembro de ter reparado que a música tava muito alta e que não era comum um som dessa potência não incomodar os vizinhos. Fiquei muito confusa com a hora, mas também fui a primeira a fazer um brinde, claro."

"Desculpa te interromper de novo, às vezes não me aguento em mim, mas você se importaria de repetir ou confirmar quais eram essas cinco pessoas?"

"Eu, Taís, César, o Paulo Bittencourt e esse Marquinhos, que era amigo do Paulo e tinha um fogo do cão.", ela passou o dedo pelo canto dos lábios e foi imperceptível nisso. Cuidei de seguir com os olhos a ponta dos dedos dela, quase nada sujos de batom. "Ele deveria se achar péssimo, pra falar a verdade... Porque aqueles meninos, eles passam de três a cinco horas por dia dentro da academia. O César até parou de crescer! do tanto de ferro que puxou. A mãe dele conta que ele trocou o ovomaltine por clara de ovo aos seis anos. Sabe? É ridículo... Você não consegue ver uma ameaça de gordura, é tudo rígido e firme e o Marquinhos..." ela inclinou a cabeça um pouco mais do que devia para rir bem alto. Como era ruim. Depois se recompôs "você sabe... Em alguns lugares ele seria chamado de obeso."

Quando ela tirou uma carteira de cigarros da bolsa e fez silêncio por quinze segundos para acendê-lo, quase meti os pés pelas mãos e avisei que não podia fumar ali. Com essa nova lei, você só pode fumar se estiver a cerca de oito quilômetros de distância de qualquer civilização e/ou ajuntamento de gente. Em vez disso, pedi um pra mim. Ela sorriu.

"Confesso que eu nunca achei a Taís interessante mesmo. Achava bonita, e que ela ficaria bem do meu lado, daria um toque sofisticado. Era isso. Uma coisa a ver com esses óculos dela. O livro publicado. Mas a gente não se conhecia bem pra eu gostar ou deixar de gostar. Olha... Se fosse pra te dizer a verdade mesmo, eu acabaria me metendo em encrenca, então melhor a gente ficar com o que aconteceu e não com o que eu acho de fulana ou ciclana, cicra..."

Agora fui eu quem franziu a testa.

"Aquela noite foi horrível por ene motivos e um deles foi eu ter conhecido a Taís melhor. Ela não era necessariamente entediante, mas tinha uma pompa! Um nariz empinado... Pelo amor de Deus!"

Ela tragou profundamente e permitiu com o inflar e desinflar dos pulmões, o franzir e desfranzir das testas. Já estava sob controle de novo.

"Ela recusou o champagne. Na entrada mesmo... PÁ! Aquele banho de água fria! O menino ali sem camisa, as taças transbordando na mão, o som no talo, César e Bittencourt com mais droga que farmácia e ela vem falar que não bebe, que toma remédio controlado. Já fez aquela cara de bunda dela, como quem diz, infelizmente é isso mesmo, eu tô sempre achando a vida um lixo e não vai ser hoje que essa impressão vai mudar. Como assim, velho? Ela só não estragou tudo porque eu sou a rainha da desenvoltura e já fui fazendo uma piada bem idiota..."

Tive que rir. Ela parou.

"Mas eu acho você engraçada... Juro."

"Não é? Eu não sou só uma patricinha estúpida. Eu sou bem inteligente." e ela fez cara de patricinha estúpida.

"Eu não sei se me sinto muito confortável com você fazendo piada da Taís."

"Por quê? Você conhecia ela?"

"Nunca vi na vida, mas a menina se matou, porra! Você não acha um pouco indelicado?"

"Ah, se você quer falar de delicadeza, deveria mesmo ter conhecido a Taís. Ela não podia beber por causa dos remédios e tal, mas o Marquinhos grudou e ficou enchendo o ouvido dela de ideia errada. Eu nem vi como tudo começou. Sumi por uma meia hora com o César, já tinha dropado duas balas e a Taís me aparece no ofurô, fazendo uma dancinha ridícula, o copo de água na mão... Amiga, eu não podia beber, mas ninguém falou nada sobre bala! E foi bem aí que a decepção bateu. Se ela já se sentia no direito de fazer a insana quando tava sóbria, imagina louca! Na hora eu quis vomitar. E vomitei mesmo... Sem sacanagem. Eu já tinha bebido pra cacete. Entrei tão doida no banheiro do Bittencourt que derrubei um vidro de perfume no chão. Quer dizer, eu derrubei metade do banheiro do chão, mas perto daquele perfume de velha nada mais impregnou na minha cabeça. Papelão."

Quando ela apagou o cigarro pela metade, percebi que havia passado o tempo todo narrando aquela festa com o cigarro entre os dedos e que eu não havia visto uma única tragada. A minha garganta, por outro lado, já estava mais que satisfeita com a brincadeira. Foi quando ela acendeu outro.

"Eu também estava muito louca..." e agora realmente tragou; e suas bochechas afundaram um pouco enquanto ela fazia isso. Quando voltou a olhar pra mim, parecia outra pessoa. "Eu e César já estávamos bem adiantados e eu não fazia ideia de onde estavam os outros três. Tinha uma impressão bem sutil de que estavam se divertindo. Mas nós dois já não queríamos saber de festinha na cobertura. A gente só queria uma cama."

"Sei como é."

"A verdade é que daqui pra frente eu não lembro muito bem os detalhes. Nem sei como a gente chegou na cama de casal. Mas o clima era de putaria total, isso eu consigo lembrar. O Marquinhos tentou beijar a Taís umas quatro vezes e ela fugindo, esquivando, ele propondo uma coisa pior que a outra, até que, pra não ter que beijar, ela deixou ele enfiar a mão na calcinha dela um pouco. Todo mundo vendo. A menina revirando os olhos. E assistir aquilo, por mais errado que fosse, me deu um tesão louco também.", ela olhou em volta da sala e se voltou para mim "vem cá, você não tem uma bebidinha?".

"Você acha que é uma boa ideia?"

"Claro."

Enquanto eu ia até a mesa de canto pra fazer um drink, ela acendia outro cigarro. O bar era improvisado, porque algumas visitas realmente só abrem o jogo depois de uns goles. Naquele dia era composto por uma garrafa de vodka barata pela metade, e uma de uísque, já mais pelas últimas.

"Você bebe uísque?"

"Não tem uma coisa mais leve? Uma cerveja..."

"Ah sim." Achei que ela estava intencionada a provocar outra festa. Abri o frigobar logo abaixo da mesa de canto torcendo pra não terem acabado as cervejas importadas. Tinham. Sobrou só uma Stella, solitária e trincada no fundo do congelador e, como essa já era dela, tive que esvaziar a garrafa de uísque num copo pra mim.

"Valeu", disse ela, depois que entreguei a garrafinha verde de vidro em suas mãos. Ela fez um gesto de brinde para o ar, mas quando foi beber, o líquido permaneceu imóvel dentro do vidro. Ela voltou com a garrafa da boca como se surpreendida por um truque de mágica. "Nossa!, tá congelada!"

"Ai, desculpa... Acho que você pegou no meio da garrafa. Tava gelada demais". Agora eu estava perdido, porque não tinha mais cerveja nem uísque caro. "E o pior é que a cerveja acabou... Esse uísque também. Só tem vodka com refrigerante, pode ser?"

Ela sorriu, balançando a cabeça. Feito o drink, findo o cigarro, tomado o gole, agora ela podia falar com a garganta menos seca.

"Onde é que eu tava?"

"Taís revirando os olhos com a mão do Marquinhos na calcinha..."

"Isso... Eu não sei o que estava passando pela cabeça dela, mas não fiquei pra ver. Eu mesma arrastei o César pra cama de casal. Não tinha como continuar fazendo charme. A gente começou a se pegar, trocando muita saliva e álcool, naquela confusão de pernas... duas, quatro, seis... Já não estávamos sozinhos. Enquanto eu caía de boca nele, alguém caía de boca em mim. Não consegui ver quem era, mas a pessoa sabia bem o que tava fazendo. E aí chegou Taís e Marquinhos na porta, os dois com olhos de bêbados, sem roupa, rindo com aquela malícia que todos sabiam o que queria dizer. E em pouco tempo a cama de casal ficou pequena demais pro tanto de gente em cima dela. E a Taís tava escrota."

"Em que sentido?"

"No pior sentido. Ela começou a falar tanta baixaria... até hoje me vêm umas frases que ela disse na cabeça. Pedia absurdos do pior tipo. Eu não quero entrar em detalhes, sabe como é... Você perderia o interesse."

"Muito pelo contrário.", maldita. Você sabe muito bem como o jogo funciona não é? Quanto menos informação você me der, mais interessado eu vou ficar. Mas isso nem é o que você pensa. Você sabe também que informação nenhuma corresponde à interesse nenhum, contradizendo toda a teoria anterior. Então você, de um jeito bem filhodaputa, enche de detalhes o que a gente nem queria saber e passa correndo pelo que de fato importa.

"Não vou dizer que abandonei o barco quando vi que ia afundar, porque eu não fiz isso. Mas olha... Muito menos participei daquela loucura, de um modo mais efetivo. Sabe como é, essas coisas de orgia, às vezes você acaba ficando de lado..."

Ela perdeu o brilho das maçãs do rosto por alguns segundos, arregalou em poucos milímetros os dois olhos e correu a tirar outro cigarro da carteira, tragar o quanto antes. Parecia dizer que o tolo era eu desde o princípio. Por não saber o que importa e se achar ludibriado, quando na verdade estava recebendo a porção mais suculenta da carne.

"Mas os meninos estavam começando a gostar demais. E como estavam bêbados! O suor deles fedia a cana, a gente ficava bêbada só de respirar dentro do quarto. E a Taís começou a pedir umas coisas muito pesadas... Pra ser sufocada, porque tava gozando. Os meninos não pensaram duas vezes. Ela tava completamente coberta de macho. E eles pareciam incrivelmente sincronizados. Três caras nela. Eu fiquei assustada nessa hora, porque olhei pro que tava acontecendo e pensei... Meu Deus, essa menina não vai aguentar. E comecei a gritar pra eles pararem, tentei puxar o braço do Marquinhos. O barulho era tanto que eu não conseguia ouvir os meus próprios gritos. Eles vão dizer que em momento algum eu gritei pra eles pararem, que ninguém puxou ninguém, porque eles querem me ferrar, mas a verdade é que não dava mesmo pra ouvir. E meus esforços no braço do Marquinhos foram inúteis. Demorou vários minutos aquilo tudo. Eu já tinha desistido, sentei mesmo. Só torcia bem vagamente pra que eles saíssem logo de cima dela. Aí o César berrou um "ei!" muito apavorado e sinistro e eu tive certeza que esse "ei" era pra Taís. Um "ei" emputecido e assustado. Meu coração gelou. Eu soube ali que tinha dado alguma merda muito grande."

"Então você tá me dizendo que a Taís não se jogou daquele prédio."

"Claro que não. Ela morreu ali. Naquela hora. Todo mundo ficou apavorado. Uma menina morta na cama, cheia de esperma no corpo... Imagina. A gente se desesperou. Começaram a falar de polícia. Eu só chorava, balbuciando que eles eram um bando de assassinos, que não me encostassem, e eles alucinados na paranoia. Não me deixaram sair... Juro pra você. Eu tentei fugir, implorei pra eles, só não gritei porque não tive coragem...", finalmente ela estava chorando, "eu não ia dedurar ninguém. Tava cagando e andando pra todo mundo naquela festa... Eu só queria ir pra casa."

"Mas eles não te deixaram ir..."


"Não. O Marquinhos pegou o celular de todo mundo, tirou todas as baterias... Nisso, o dia amanhecendo, a menina morta em cima da cama, aquele cheiro de fundo do poço... Foi quando eles começaram a falar que, de qualquer forma, ela já era doente, tomava remédio controlado, tinha histórico psiquiátrico... Parecia um monte de chapado tendo o mesmo insight. Daí para a ideia de simular um suicídio e jogar o corpo lá de cima foi um pulo."

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