Quando Frederico chegava, toda a casa ainda estava dormindo. O casal no andar de cima, entre lençóis de cetim, e as empregadas na dependência, em beliches pouco confortáveis. Frederico tinha uma cópia das chaves, que usava para abrir o portão diariamente, às cinco e meia da manhã. Precisava chegar mais cedo, para trocar as flores de todos os vasos da casa antes que os patrões acordassem. Marta gostava de flores vivas, ainda com o orvalho da manhã, e por isso contratara um jardineiro.
Frederico sofria com as dores na coluna e tinha as unhas encardidas de terra, mas aos 65 anos não se pode ser muito exigente com o emprego. Dono de uma habilidade natural para a botânica, ele aprendera desde cedo a lidar com caules, pétalas e folhas. Sabia exatamente o que cada espécie precisava para crescer e, como um pai atencioso, regava cada uma delas conforme sua sede.
Passava o dia entre gerânios, tulipas, flores do campo e algumas roseiras; plantando, podando e acariciando sua criação. Às vezes confundia as coisas e, enquanto passava os dedos por uma rosa vermelha, se imaginava acariciando o rosto de Marta. E cheirava a flor sem saber se o perfume que sentia vinha da rosa ou da patroa. Aproveitava a ausência de Juliano, que passava o dia no trabalho, para observar Marta pela casa. Marta e a xícara de chá, Marta e sua revista Vogue, Marta e o telefone celular, Marta e suas amigas ricas... Nunca Marta e Frederico.
Certa manhã, tomado de absurda coragem e virilidade, o jardineiro decidiu fazer um agrado. Enquanto atravessava a sala, carregando uma dúzia de flores no braço, deixou uma rosa branca cair em frente ao sofá. Marta, que ainda de camisola lia o jornal, percebeu o descuido.
— Frederico... Uma rosa caiu aqui. — disse ela, estendendo a flor para o jardineiro.
— Ah, fica pra você. — ofereceu ele, apreensivo. Ela sorriu.
— Obrigada. — e largou a flor em cima da mesinha de centro.
Frederico tinha dado uma flor para Marta. E passou o resto do dia abobalhado, pensando no que a patroa pensava. Se ela finalmente começaria a ver o empregado com outros olhos, se guardaria a rosa branca debaixo do travesseiro para cheirar antes de dormir, ou se deixaria a flor esquecida na mesinha de centro, quando saísse pra academia.
O velho continuou com a brincadeira. Vez ou outra deixava uma flor cair pelo caminho, fazia um arranjo diferente, ou espalhava pétalas pelo banheiro. Sempre calado, confiante no poder das flores. Até que um dia, pouco antes do sol se pôr, Frederico fez sua aposta mais ousada. Preparou um buquê. Um buquê de rosas vermelhas. E deixou sobre o criado mudo de Marta, enquanto ela tomava banho. Foi pra casa como um adolescente apaixonado.
E no dia seguinte foi despedido. E humilhado. Juliano não havia gostado nada da surpresa do empregado. E chamou Frederico de velho tarado. Acertou as contas, mandou sumir e que nunca mais olhasse pra sua esposa. Frederico obedeceu.
Já em casa, ele decidiu se vingar. E começou a preparar suas ferramentas. Afiou a tesoura de jardinagem, limpou a enxada, preparou o serrote e guardou tudo na maleta de trabalho. Não sentia medo. A certa altura da vida, se tem muito pouco a perder. E Frederico não tinha nada.
Chegou às cinco e meia da manhã seguinte, como em um dia de trabalho qualquer. E com o coração explodindo de adrenalina, ajoelhou em frente a uma roseira. Abriu a maleta, tirou a tesoura e, com enorme frieza, degolou uma flor. Respirou fundo e, calmamente, começou a cortar todas as flores do jardim, num doloroso exercício de sadismo. Primeiro com a tesoura, sem sujar as mãos, depois com a enxada, enquanto ia se transformando em animal. Aos poucos, Frederico destruiu tudo o que por anos cultivara. Folhas, raízes e pedaços de caule voavam. As plantas, esquartejadas, pareciam gemer. E a raiva do jardineiro já não cabia em ferramentas. Largou a enxada e foi, com as próprias mãos, terminar o serviço. Estraçalhou cada uma das flores daquele jardim, e atacou as roseiras, sem se preocupar com os espinhos. Acabou deitado entre os corpos, exausto. As mãos sujas de sangue e pétala.